Ciências & Histórias

quinta-feira, março 29, 2007

Ciência é História



Desde os tempos helênicos até a Renascença, vemos a existência de uma tradição “científica” aristotélica na física e biologia; uma tradição ptolemaica na astronomia; e uma tradição galênica na medicina, que, em grande parte, se complementavam. A partir do século XVIII, por outro lado, o que vemos é uma mudança dessas tradições científicas, onde três outras tradições competiram pela supremacia nas ciências físicas: a cartesiana, a leibniziana e a newtoniana. Entretanto, a tradição newtoniana foi, de longe, a mais bem sucedida, fornecendo alguns dos pressupostos básicos para virtualmente todas as pesquisas realizadas na física até o final do século XIX.
Esta mudança de paradigma científico que ocorre neste período de tempo serve como exemplo para a importância da compreensão da história no surgimento, desenvolvimento e desaparecimento do saber científico. A ciência cresce predominantemente através da evolução de tradições de pesquisa. Como sustenta Kneller, é por este motivo que se pode considerar que a ciência é intrinsecamente histórica, no sentido de que “é uma atividade, uma instituição e um corpo de conhecimentos que mudam no tempo em função da busca de uma completa explicação da ordem da natureza”.


Kneller argumenta que a ciência também é inerentemente histórica por sua tendência a ser cumulativa. Toda investigação é uma tentativa para resolver um problema decorrente da solução de um problema anterior. Se for bem sucedida, descobre um ou mais novos problemas a serem investigados por pesquisas. O problema resolvido é um elo na cadeia de problemas e suas soluções, através dos quais a ciência avança. De um modo geral, uma nova teoria é uma fonte muito fecunda de problemas, através das predições que gera.
Por último, a ciência também é histórica na medida em que todo e qualquer enunciado ou conjunto de enunciados científicos está aberto a revisão ou substituição, diante de novas provas ou novas idéias. Como todas as conclusões cientificas são, em ultima análise, conjeturais, a ciência pode sempre se criticar e transformar-se.
Referências:

KNELLER, G. F. A ciência como atividade humana. 2 ed. Rio de Janeiro:. Zahar, 1980.

quarta-feira, março 28, 2007

E a Ciência?



Bertrand Russel diz que “a filosofia começa quando alguém faz uma pergunta de caráter geral, acontecendo o mesmo com a ciência”. Conclui que, tais como as conhecemos hoje, a filosofia e a ciência têm suas origens marcadas pela antiga civilização grega. Curiosos acerca da natureza em termos racionais, os filósofos gregos se esforçaram em construir um conhecimento sem recorrer à religião e aos mitos.

Mas e hoje? Como a ciência se apresenta? Quais são seus objetivos e meios? Afinal, do que estamos falando quando dizemos “ciência”?

Para Kneller, o objetivo final da ciência é fornecer uma explicação completa que estabeleça uma ordem na natureza, através da formulação e comprovação de teorias científicas que expliquem os aspectos particulares desta ordem existente. Kneller define uma teoria científica como um conjunto de enunciados que descrevem a natureza de um determinado fenômeno e seus processos. Este fenômeno é visto como possuidor de uma ordem mecânica oculta, cujo funcionamento é possível de ser encontrado checando se os fatos ocorrem como a teoria previu. Quando a teoria é plenamente confirmada, diz-se que a ordem que ela postula é real.

A maioria das teorias é proposta a partir de uma determinada tradição de pesquisa. Na verdade, são as grandes teorias que servem como base para o surgimento de tais tradições. Uma tradição de pesquisa é uma sucessão de investigações empreendidas por uma quantidade de cientistas, utilizando um conjunto de pressupostos gerais. Uma determinada tradição de pesquisa especificará freqüentemente como os fenômenos pertinentes devem ser investigados e como as teorias devem ser construídas para explicá-los.

Assim, uma tradição de pesquisa estimula a criação de uma série de outras teorias. Uma teoria explica o comportamento de certos fenômenos dentro de seu campo, confirmando alguns dos pressupostos da tradição, ao mesmo tempo em que pode formular novos pressupostos mais específicos.

Segundo Kneller, grande parte da história da ciência ocidental consiste na formação, crescimento e declínio de sucessivas tradições concorrentes e complementares de pesquisa. Este autor aponta que as tradições de pesquisa evoluíram em três caminhos principais: criando novas teorias, alterando seus pressupostos e unindo-se a outras tradições. Afinal, é através da criação de teorias que se forma uma tradição e esta tradição poderá gerar uma surpreendente gama de implicações, seja a favor da própria tradição, seja em sua modificação.


Referências:

KNELLER, G. F. A ciência como atividade humana. 2 ed. Rio de Janeiro:. Zahar, 1980.

RUSSELL, Bertrand. História do pensamento ocidental. Rio de Janeiro: Ediouro, 2001.

terça-feira, março 27, 2007

Ciência, História e Psicologia: Formando Relações


A curiosidade do ser humano sempre gerou indagações fundamentais sobre si mesmos e o mundo que o cerca. Desde o surgimento da filosofia na Grécia e provavelmente antes não cessaram de se indagar sobre a singularidade e a origem do pensamento humano, assim como sobre a ordem da natureza que os cercavam.

Olhando através da historia, verificamos que a natureza tem sido estudada por varias razões. Entretanto, segundo Kneller, tais investigações parecem ser inspiradas por duas emoções primordiais: o assombro e o medo. Pelo fato do homem primitivo estar à mercê da natureza, talvez o seu motivo mais forte para a investigação natural fosse atingir a paz de espírito, através de alguma explicação plausível para os desastres da natureza. Como disse Epicuro, “se não fossemos perturbados por apreensões acerca de fenômenos no céu e a respeito da morte, se nada disso nos afetasse de um modo ou de outro, e também se não fossemos perturbados por nossos fracassos em perceber os limites das dores e dos desejos, não teríamos necessidade alguma de estudar a natureza”.

Para Kneller, o medo é aliviado pelo reconhecimento de que a natureza é ordenada e inteligível. O assombro começa com esse reconhecimento e, à medida que a ciência crescia e os homens começavam a dominar o mundo, o assombro converte-se na força motriz das grandes realizações científicas.

Desta forma, a finalidade da ciência é chegar a um entendimento exato e abrangente da ordem da natureza. Mas devido a complexidade constituinte da natureza, essa busca já consume muitos séculos e consumirá muito mais. Kneller, por este motivo, considera a ciência intrinsecamente histórica. Não só o conhecimento científico em si, mas também as técnicas pelas quais ele é produzido, as tradições de pesquisa que o produzem e as instituições que as apóiam, tudo isso muda em resposta desenvolvimentos nelas e no mundo social e cultural a que pertencem.

Se quisermos entender o que a ciência realmente é, devemos considerá-la em primeiro lugar e acima de tudo como uma sucessão de movimentos dentro do movimento histórico mais amplo da própria civilização. Recorrer à história é sempre um recurso precioso para a compreensão do movimento das idéias, ou seja, o surgimento de uma determinada proposição, seu impacto tardio ou imediato, seu declínio, seu retorno em outros tempos sob novo prisma ou a rejeição definitiva por falta de evidências (Kristensen). Segundo Goethe, somente olhando para trás podemos observar os avanços de determinada disciplina ou campo de conhecimento. Alem disso, apenas através do estudo histórico podemos apreciar novas idéias, observar falhas de teorias existentes e determinar o melhor caminho a seguir para uma investigação inovadora.

Posto desta forma, compreender o desenvolvimento da Psicologia como um saber científico exige, antes de tudo, um entendimento das sucessivas mudanças do próprio pensamento científico e da forma que as questões relacionadas à natureza humana e seu comportamento. Como abordagem cientifica, a psicologia possui suas origens no século XIX. Entretanto, seus precursores são tão remotos quanto os de qualquer disciplina. Como apontam Schultz & Schultz, a distinção entre a psicologia moderna e seus antecedentes está menos nos tipos de perguntas feitas sobre a natureza humana do que nos métodos empregados na busca das respostas a essas perguntas. Dessa forma, o que distingue a antiga filosofia da psicologia moderna são a abordagem e as técnicas usadas, que apontam esta última como campo de estudo próprio e de caráter científico.

Neste ponto, algumas questões emergem: O que é ciência? Como se define este saber científico? Qual a importância da história no estudo científico? Como se faz esta história? O que foi dito e como é dito agora?

É a partir destas perguntas, e outras que eventualmente surgirão, que refletiremos aqui.