Ciências & Histórias

quinta-feira, agosto 30, 2007

Um Breve Resumo da Medicina na Antiga Mesopotâmia

Assim como os egípcios, a etiologia da enfermidade na Antiga Mesopotâmia estava associada diretamente a um pensamento sobrenatural. Para eles, todos os fenômenos, tanto os terrenos como os cósmicos, se encontravam estreitamente unidos e subordinados à vontade dos deuses. Por esta razão, tanto a doença quanto a cura se explicavam a partir de uma complexa relação entre deuses, os seres humanos e demônios.
De acordo com esta concepção, a doença (física ou/e mental) é considerada como uma conseqüência da ação de demônios ekimmu. Assim como os egípcios, eles acreditavam que deuses não mais estavam protegendo aquele indivíduo, o que permitiria a invasão de demônios e espíritos no corpo dele. O indivíduo era afetado pela enfermidade em dois níveis distintos: interno, físico ou psicológico – na forma dos sintomas; e externo e sócio-religioso.
Os deuses podiam punir os seres humanos através de duas formas: abandonando-o, deixando-o vulnerável a ação de demônios ou pela punição direta, mandando uma praga ou uma doença violenta que afetaria toda comunidade, que seria culpada por inteira. Cada Espírito era considerado responsável por apenas uma doença em qualquer parte do corpo.
Desta visão resultavam práticas de diagnóstico e tratamento específicas. O objetivo do diagnóstico consistia em saber qual pecado o doente cometera, que demônio se apoderara do seu corpo e quais os propósitos dos deuses, pelo uso de técnicas de adivinhação (geralmente hepatoscopia – análise do fígado de animais – e astrologia), encaradas como forma pelas quais os deuses manifestavam a sua vontade. Associado a isso, um longo interrogatório era feito ao paciente na busca do pecado cometido por ele que possa ter provocado a proteção dos deuses.
O tratamento procurava uma reconciliação com os deuses, através de orações e sacrifícios, assim como a expulsão dos demônios, pelo uso de encantamentos e purificações. Contudo, a medicina não era reduzida à simples magia. Plantas também eram utilizadas no tratamento dos sintomas das doenças, sendo que plantas diferentes eram usadas em rituais mágicos para aplacar o mesmo espírito. Pode-se inferir que oferendas específicas eram feitas a um deus ou espírito determinado quando se considerava que este era a causa da doença, mas estas oferendas não estão indicadas em textos médicos, devendo ser encontradas em outros textos.
Os conhecimentos de anatomia dessa civilização parecem ter sido escassos, mas sabe-se que os mesopotâmicos consideravam o fígado como o órgão responsável pelo metabolismo do corpo e o centro da circulação, além de ser o centro da vida e onde ficava a alma. O estômago era considerado a sede da coragem e o útero, sede da bondade.

quarta-feira, agosto 29, 2007

O Coração do Antigo Egito

Para os antigos egípcios, o coração era o centro do pensamento, emoção e de todas as funções nervosas. Um órgão tão importante que era considerado necessário para a salvação após a morte e por isso era deixado no corpo durante o processo de mumificação, garantindo sua disponibilidade para o julgamento pós-vida.
Por pensarem que o coração era capaz de recordar todos os bons e maus atos feitos pelo o ser humano durante a vida, os antigos egípcios acreditavam que, no momento do julgamento, o coração era pesado contra uma pena. Se ele se mostrasse leve, o sujeito se revelaria virtuoso.
Por isso, as noções de anatomia e fisiologia eram baseadas na idéia de um coração como centro do organismo. Apesar disso, o conhecimento dos antigos egípcios a respeito de anatomia e fisiologia cardiovascular era limitado, parte disso porque não fazerem autopsias (como fazemos hoje) ou dissecação anatômica de seres humanos com fins exploratórios. Seu conhecimento anatômico era fruto das observações feitas pelos curandeiros durante o processo de embalsamento (apesar de não executarem eles mesmos) e pelo estudo anatômico dos animais, que era extenso devido a prática veterinária comum.
Para os egípcios, o coração estaria conectado com todos os outros órgãos do corpo através de uma rede de canais, chamados metu. Esta rede seria formada, no total, por 36 canais que partiriam do coração. Segundo os egípcios, nesses canais não haveria apenas sangue, mas também ar, lágrimas, saliva, muco, sêmen, comida, urina, etc. Consideravam que o coração receberia água e ar dos vasos através de um canal receptor (provavelmente a aorta). Por não executarem dissecação anatômica, não só os vasos sanguíneos eram considerados metu, como também o trato respiratório, os ductos das glândulas, os músculos, etc. Por esta razão, não distinguem entre artérias, veias, tendões, nervos, ligamentos ou vias condutoras, que exerciam a função de conectar o coração à todas as outras partes do corpo.
Através desses canais condutores, não era entendido a pulsação, mas acreditava se que as substâncias fluíam pelos vasos assim como o Nilo provinha vida para as terras. O ar que entrava pelo nariz se misturava com os fluidos existentes nestes vasos.
Estes canais também eram vistos como responsáveis por levar as doenças, tanto físicas quanto mentais, para diversas partes do corpo. Para os antigos egípcios, as doenças entravam através dos orifícios do corpo e viajavam através dos canais até o órgão afetado. Se uma doença fosse controlada com sucesso, isso significava que ela tinha sido expulsa através de um orifício da mesma forma que entrou.

Referência:
Boisaudin, E. V. (1988). Cardiology in Ancient Egypt. Texas Heart Institutional Journal, vol. 15, no. 2, pp 80-85

terça-feira, agosto 28, 2007

O Papiro de Edwin Smith


Se podemos apenas inferir qual a importância que o homem primitivo dava ao cérebro humano através da análise de seus crânios, é com o surgimento da escrita que estas inferências se tornam muito mais precisas.
O Papiro de Edwin Smith, datado em aproximadamente 1700 a.C., é considerado como o tratado mais antigo que se tem conhecimento0 a fazer uma referência direta ao cérebro. É escrito em um papiro com 4,5 metros de largura e 33 centímetros de altura por um autor egípcio desconhecido, provavelmente um escrivão que copiava outro manuscrito de um período mais antigo, provavelmente entre 3000-2500 a.C. Com erros freqüentes, o manuscrito apresenta correções feitas pelo o autor nas margens do papiro, tarefa que nunca completou, pois o papiro se encerra com sua última sentença interrompida no meio. Aparentemente, a interrupção foi inesperada e o trabalho de transcrição, por razões desconhecidas, foi abandonado antes de se completar.
Em 1862, o americano Edwin Smith, na cidade de Luxor, adquiriu o papiro em circunstâncias controversas. Discute-se sobre a verdadeira forma pela qual ele adquiriu o documento; através de uma troca legítima feita com um comerciante ou através de uma negociação ilegal com saqueadores de tumbas. Apesar disso, sabe-se que Edwin Smith logo reconheceu o valor do papiro, mas nunca chegou a apresentar nada sobre ele. O papiro fica em sua posse até a sua morte em 1906, quando sua filha o doou ao New York Historical Society. Mesmo assim, o papiro fica abandonado até 1920, quando o arqueólogo, egiptólogo e historiador americano James Henry Breasted se incumbiu de traduzir seu conteúdo. Em 1930, Breasted conclui sua tarefa, publicando sua tradução comentada.
Logo com o resultado do trabalho de Breasted, o Papiro de Edwin Smith se revelou o tratado científico sobrevivente mais antigo conhecido, contendo o conhecimento médico dos antigos egípcios. Seu texto consiste basicamente da apresentação de 48 casos, cada um dividido em quatro ou cinco seções: título, exame, diagnóstico, tratamento (se recomendado) e um glossário (com explicações de termos obscuros). São descritos de forma sistemática de acordo com a parte do corpo afetada, iniciando pela cabeça, descendo pelo tórax e espinha onde o documento é interrompido. Dos 48 casos, 27 se concentram em lesões na cabeça (caso 1-27); 6, em lesões do pescoço e garganta (casos 28-33); 2, em lesões na clavícula (casos 34 e 35); 3, em lesões ao braço (casos 36-38); 8, em lesões ao esterno, costelas ou peito (casos 39-46); 1, em lesão as costas (caso 47) e 1, em lesão na espinha lombar (caso 48).
Somente em 13 dos 27 casos de lesão na cabeça há uma real evidência de dano cerebral, com anormalidades neurológicas e fraturas cranianas. Além disso, encontram-se no Papiro de Edwin Smith referências diretas em relação ao cérebro (que é citado sete vezes ao todo no papiro), assim como as meninges, o líquido cefalorraquidiano e uma descrição dos giros corticais como “enrugamentos formados como cobre derretido” (Finger, 2000).
Apesar de incompleto, o manuscrito é reconhecido por seu valor intrínseco ao permitir uma noção sobre como antigos egípcios já reconheciam que danos no sistema nervoso central podem ter efeitos em áreas distantes do ferimento.

Referências:
-Feldman, R. P.; Goodrich, J.T. (1999). The Edwin Smith Surgical Papyrus. Child’s Nerv Syst, 15:281-284.
-Finger (2000). Minds Behind Brain: A history of The Pioneers and Their Discoveries. Oxford University Press.

segunda-feira, agosto 27, 2007

A Trepanação Na América

A prática da trepanação é conhecida em diversas partes do Antigo Mundo e ainda praticada em tribos tradicionais na África e Polinésia. Sua prática remonta até o período Neolítico, como o crânio encontrado em Ensisheim (França) com um orifício de cerca de 9 cm de diâmetro e cerca de 7000 anos de idade.

No Novo Mundo, as centenas de crânios trepanados encontrados na região da Colômbia e Peru com perfurações únicas ou múltiplas indicam uma grande prática da trepanação pelas sociedades que viviam pela região dos Andes. Para o procedimento, eram utilizadas facas próprias para o ritual, feitas geralmente de bronze ou ouro, chamadas tumi (imagem de hoje). A partir da análise dos crânios encontrados, estima-se que menos de 30% dos submetidos à trepanação morreram imediatamente após a operação.

Comparados à cultura dos povos dos Andes, há pouca evidência de trepanação nos povos da Msoamerica. Apenas em 1897 que Carl Lumholtz publica um trabalho sobre crânios trepanados encontrado nesta região. Em seu trabalho, Blos (2003) analisa sete crânios trepanados encontrados no Monte Alban, na região de Oaxaca – referente à cultura Maia. Em sua análise, Blos observa uma forte preferência anatômica pela região acima dos ossos parietais. Diz também que, assim como amostras encontradas no Peru, grande parte dos crânios trepanados apresentam sinais de lesões cranianas anteriores a operação, possivelmente a causa do procedimento.

Referência:
Blos V.T. (2003).
Cranial Surgery in Ancient Mesoamerica. Mesoweb.
( http://www.mesoweb.com/features/tiesler/Cranial.pdf )
[Acessado em 20 de Agosto de 2007]

Imagem retirada de: http://elabrazodeloso.es/wordpress/?m=200611

domingo, agosto 26, 2007

Horsley e Broca: Quem tem razão afinal?


Ainda hoje, há um grande debate acerca dos motivos reais que levaram os homes pré-históricos a praticarem a trepanação. Basicamente, ainda se compara o contraste entre a visão empírica de Horsley, que analisa os dados em relação aos crânios trepanados, com a abordagem mais antropológica de Broca, que procurou associar possíveis convulsões em jovens com explicações místico-religiosas.

Entretanto, como originalmente concebidas, nem a teoria de Broca e nem a de Horsley resistiram ao teste do tempo. Em relação à Broca, vemos uma falta de evidência sólida que demonstre que os mais jovens eram mais alvos da operação. Entretanto, sem a questão da idade, sua teoria fica mais plausível. Em relação a Horsley, sua idéia de que os orifícios eram comumente acima do córtex motor não se evidência por completo. Entretanto, sem este fator, sua noção de que as trepanações eram executadas no tratamento de lesões traumáticas permite que sua teoria também fique mais plausível.

Segundo Finger & Clower (2001), as melhores evidencias indiretas que dão suporte as duas teorias provem de tribos que praticam trepanação ainda no século XX. A operação é executada por tribos de ilhas do Pacífico Sul no tratamento de fraturas, epilepsia, loucura e dores de cabeça. No Quênia, trepanações eram praticadas até recentemente praticadas no tratamento de dores de cabeça com ou sem fraturas cranianas. De forma parecida, dores de cabeças e fraturas após pancadas também eram tratadas com trepanação em Uganda, Nigéria, Somália, Líbia e entre os Zulu na África d Sul.

Referência:

Clower, W.T.; Finger S. (2001). Discovering trepanation: the contribution of Paul Broca. Neurosurgery 49(6):1417-25.

Finger, S.; Clower, W.T. (2001). Victor Horsley on "Trephining in Pre-historic Times". Neurosurgery. 48(4):911-918.


Imagem retirada de: http://www.bluegecko.org/kenya/tribes/gusii/trepanation.htm

sexta-feira, agosto 24, 2007

Victor Horsley e a Trepanação


A trepanação tem sido alvo do interesse dos neurocirurgiões e antropólogos desde meados de 1870, quando se percebeu, pela primeira vez, que povos antigos abriam orifícios no crânio de pessoas ainda vivas, com diversas evidências arqueológicas na França e no Peru. O neurologista Paul Broca foi um dos primeiros a se envolver neste assunto em 1867, quando o arqueólogo americano Ephraim Squier mostrou a ele um crânio peruano trepanado. A partir disso, Broca estudou diversos crânios de 4000-5000 anos de idade encontrados em sítios arqueológicos na França, do Período Neolítico. Segundo ele, a trepanação era realizada principalmente em jovens, no tratamento de convulsões simples que estariam associados, para os antigos, com possessões demoníacas.

Um outro neurocirurgião que estudou a fundo tal assunto foi Victor Horsley (1857-1916). Para ele, os orifícios não eram feitos de forma aleatória. Horsley observou que grande parte dos orifícios se concentrava no ápice do crânio, acima do que ele chamou de área motora. Para confirmar sua proposta, Horsley chegou a desenhar em um único crânio a disposição da localização de vários orifícios trepanados, indicando uma área de preferência.

Horsley concordou com Broca ao afirmar que os pedaços de crânios que eram retirados após a morte do sujeito provavelmente eram utilizados como amuletos e eram vistos como possuidores de poderes místicos. Mas diferente de Broca, Horsley atribuía um motivo racional para a prática da trepanação nos primitivos, considerando que a trepanação era feita como tratamento de convulsões originárias de algum traumatismo e excluindo o elemento místico e sobrenatural (como apontava Broca ao falar de uma tentativa de expulsar os demônios que estariam perturbando o indivíduo).

Entretanto, Horsley nunca publicou nenhum artigo completo sobre suas idéias, apenas tendo apresentado pequenas notas sobre assunto. Sua proposta também não foi bem recebida pelo meio científico na época, pois como mesmo disse Sir Francis Galton, “implica mais inteligência aos selvagens do que eles normalmente demonstram”.

Referência:
Finger, S.; Clower, W.T. (2001). Victor Horsley on "Trephining in Pre-historic Times".
Neurosurgery. 48(4):911-918.

quinta-feira, agosto 23, 2007

Descobrindo a Trepanação: A Contribuição de Paul Broca


A trepanação (do Grego, Trupanon, perfuração, abrir um buraco) é um procedimento cirúrgico que consiste na retirada de um pedaço do osso do crânio. Está técnica foi muito utilizada durante a Idade Antiga, Média e ainda é utilizada atualmente com fins terapêuticos de doenças intracraniais. Entretanto, crânios trepanados encontrados entre os restos de culturas pré-históricas servem como indício de que povos que viveram durante o período Neolítico (10000 a.C.) provavelmente já atribuíam alguma importância ao cérebro.

Até o século XIX, diversos crânios trepanados foram encontrados em sítios arqueológicos espalhados por toda Europa, como Alemanha, Áustria, Polônia, Portugal, Inglaterra, Itália, Dinamarca, Suécia, Rússia, Espanha e França, sendo o primeiro crânio trepanado encontrado em 1685, por Bernard de Montfauchon (1655-1741) em Cocherel, França (Finger, 1994; Clower, Finger, 2001).

Entretanto, os orifícios resultantes da trepanação, até então, eram considerados frutos da ação de armas, lesões acidentais ou alterações feitas após a morte. É a partir da década de 70 do século XIX que ocorre uma mudança na interpretação dada a estes orifícios e é o neurologista Peter Paul Broca (1824-1880) um dos principais responsáveis por chamar a atenção da comunidade científica para os crânios trepanados.

Inicialmente procurado pelo arqueólogo Ephraim George Squier (1821-1888) a respeito de um crânio que apresentava uma abertura, Broca logo se vê diante de uma serie de perguntas. Intrigado, propõe um novo olhar em relação a interpretação daqueles orifícios.

Em 1965, na cidade de Cuzco, Peru, Squier se depara com um crânio que apresentava um orifício retangular de 15 X 17 mm. Devido a suas características, Squier conclui que aquele orifício era produto de mãos humanas, possivelmente algum procedimento cirúrgico. Entretanto, resolve procurar a ajuda de algum especialista e portanto leva a amostra até a França e procura Paul Broca. Após cuidadosa análise, Broca conclui que aquele orifício no crânio representava um caso de “avançada cirurgia” oriunda do Novo Mundo antes da chegada dos colonizadores. Em sua análise, Broca concluiu que a cirurgia havia sido realizada em um indivíduo ainda vivo e que sua morte só foi ocorrer 1 ou 2 semanas depois.

A partir de suas observações, novas perguntas surgiram: por que tal operação foi realizada? Sob que condições? Houve sucesso? Para respondê-las, Broca procurou examinar outras amostras, que logo surgiram devido à sua análise. Centenas de crânios neolíticos foram encontrados em solo francês, atualmente estimados entre 4000 e 5000 anos de idade. A busca pelos motivos que justificariam a realização de trepanações pelo homem pré-histórico levou Broca a publicar diversos artigos e a apresentar diversas palestras sobre o assunto. Segundo ele, as trepanações eram realizadas mais comumente em jovens (idéia que posteriormente se percebeu errado), associadas com algum problema e tendo assim um intuito curativo; ao mesmo tempo em que estaria associado com algum contexto social ou religioso.

Referência:
Clower, W.T.; Finger S. (2001). Discovering trepanation: the contribution of Paul Broca. Neurosurgery 49(6):1417-25.

quarta-feira, agosto 22, 2007

O Homem Primitivo e Sua Cabeça


É muito provável que o homem pré-histórico percebeu que traumas cranianos eram capazes de produzir sérios distúrbios, tais como a perda da consciência, danos à memória, convulsões e alterações do comportamento. Entretanto, a ausência de registros escritos impede que se possa determinar com exatidão que tipo de conhecimento as culturas pré-históricas possuíam acerca da relação entre o cérebro e as funções mentais. Nesse sentido, a análise de crânios descobertos através de escavações arqueológicas é um dos principais elementos para inferir qual a importância que o homem primitivo dava ao cérebro.

Lesões cranianas, capazes de causar lesões no cérebro, podem ser encontradas através de toda evolução de nossa espécie. Segundo Finger (1994), umas dessas evidências é um crânio de um australopithecus africanus (estimado em 3 milhões de anos), que apresenta diversas fraturas umas próximas as outras. Estas fraturas podem ser consideradas como resultado da agressão de outro sujeito, que o acertou com algum objeto repetidas vezes até a morte. Além disso, Finger (1994) lista uma série de exemplos arqueológicos de crânios entre os Homo Erectus (1,5 milhão de anos atrás) encontrados com algum tipo de lesão na caixa craniana. Aparentemente, um bom número dessas lesões foi capaz de provocar a morte. Exemplos entre o Homem de Java (500 – 300 mil anos atrás) e o Homem de Pequim (300 – 100 mil anos atrás) podem ser encontrados. Ainda, também podemos encontrar crânios lesionados entre o homem neanderthal (100 – 40 mil anos atrás). Por exemplo, os fósseis da caverna de Shanidar, Iraque, apresentam entre eles diversos exemplos de crânios com lesões antemortem, como uma ferida no topo da cabeça e outra na região do olho. A análise de diversos crânios encontrados em sítios na China, América do Norte e Quênia, datados do período Neolítico (10000 a.C.), no estudo da violência entre o homem pré-histórico também indica que a região da cabeça era bastante visada durante algum embate interpessoal (Jackes, 2007). Para Finger (1994), todas estas evidências arqueológicas podem sugerir que o cérebro, ou pelo menos a região da cabeça era vista como crítica para as funções básicas da vida.


Finger, S. The Origins of Neuroscience: A History of Explorations into Brain Function. New York: Oxford University Press, 1994