Ciências & Histórias

segunda-feira, junho 30, 2008

Fichamento sobre relação entre filosofia e medicina


“A invenção de uma forma de pensar que é própria do homem ocidental teve inicio nos primeiros anos do século VI com Tales de Mileto. É o alvorecer da filosofia, do que ficou consagrado como sendo a aventura do pensamento, que se caracteriza pela busca de um princípio (arché) ordenador da natureza e sua expressão em uma linguagem racional.

Durante todo o século VI e grande parte do século seguinte, há uma crescente produção, tanto pelos filósofos da Jônia quanto pelos da Magna Grécia, de teorias que substituem o mito da explicação dos fenômenos do Universo. O objetivo da reflexão filosófica é, então, a natureza (phýsis). Por esta razão, Aristóteles designa os filósofos anteriores a Sócrates de físicos.

Sócrates, mestre de Platão, é o filosofo que inaugura esta nova fase da historia do pensamento. Os primeiros escritos platônicos, conhecidos como diálogos socráticos seriam reproduções de diálogos entre Sócrates e seus discípulos. As questões discutidas são, por exemplo: a virtude, a coragem, a piedade, a amizade, a justiça, etc.; questões que dizem respeito ao homem, à vida humana.

Neste mesmo período da historia da cultura ocidental surge a arte de curar. A prática médica encontra na racionalidade filosófica o instrumental necessário para elaborar suas teorias sobre a natureza humana, que foram desenvolvidas a partir da idéia fundamental das investigações pré-socráticas – o conceito de physis. Em função da influência exercida pela filosofia da natureza, os médicos do século V a.C. tomam então como base de suas doutrinas as cosmologias elaboradas pelos filósofos pré-socráticos, o que se observa em alguns dos tratados hipocráticos.

Posteriormente, as doutrinas médicas irão influenciar os filósofos do século IV a.C. Tanto Platão como Aristóteles conheciam os tratados médicos redigidos desde o final do século anterior e incorporam em suas obras parte das teorias, dos princípios éticos e do método que estes textos continham. A influência exercida pela medicina sobre os diálogos de Platão tem sido estudada desde a antiguidade; Galeno dedica pelo menos um de seus escritos ao tema.

Apesar de possuírem conceitos comuns, que são parte integrante de doutrinas e métodos igualmente comuns, a filosofia e a medicina são campos distintos de saber, quer pela natureza quer pelos objetivos. A filosofia, que tem como objeto de reflexão da natureza (phýsis), é um saber eminentemente teórico, especulativo; enquanto a medicina, embora possua um corpo de teorias, é um conhecimento, por essência, de ordem prática que almeja um fim determinado: a cura.

Portanto, as discussões envolvendo os filósofos de um lado e os médicos de outro versam, em ultima analise, sobre o conhecimento da phýsis humana, da natureza humana. A questão é saber se o processo de conhecimento do homem deve partir das investigações sobre a phýsis em geral, ou se ele deve partir do estudo do próprio homem.”

(Trecho extraído de “Doença do corpo, doença da alma: medicina e filosofia na Grécia Clássica” de Ivan Frias, 2005, Editora PUC-Rio)

sexta-feira, junho 27, 2008

Empédocles


Nascido em Agrigento, por volta de 490 a.C., Empédocles era médico e filósofo. Adotou todos os pontos ate então considerados básicos e acrescentou-lhes um quarto. Chamou-os de “raízes” das coisas, e Aristóteles mais tarde os denominou elementos. Trata-se da famosa teoria dos quatro elementos: água, ar, fogo e terra, que dominou a ciência química por aproximadamente dois mil anos. Estas substâncias elementares são eternas e imutáveis e não podem ser explicadas de outra maneira. Cada um dos elementos é indestrutível, internamente simples, homogêneo e incapaz de mudar ou se alterar. Não possuem propriedades próprias.

Para Empédocles, deve haver algo que faça com que a matéria básica se misture de varias formas. Considerou, portanto, a existência de dois princípios ativos: o amor e o ódio. A única função desses princípios é unir e dividir: responsáveis pela manutenção do universo, o amor unia os elementos (raízes) e o ódio os separava. A morte para ele era simplesmente a desagregação dos elementos. Assim, quando as quatro substâncias são separadas, o ódio ocupa o espaço existente entre elas, e quando estão unidas, o amor as aglutina. Empédocles assumiu a teoria de que a saúde é um equilíbrio próprio entre componentes opostos, e que a doença ocorre quando um deles prevalece.

quinta-feira, junho 26, 2008

Heráclito ( II )


Como dito anteriormente, o pensamento de Heráclito é bem mais complexo do podemos apresentar aqui neste espaço. Entretanto, podemos dizer que para ele, tudo é movimento, tudo está em fluxo, mas a realidade possui uma unidade básica, uma unidade na pluralidade. Esta “unidade na pluralidade” pode ser entendida como um conflito entre os opostos, onde este conflito não possui um caráter negativo. Na verdade, é a garantia do equilíbrio, através da equivalência e reunião dos opostos que emerge a realidade. Assim, dia e noite, calor e frio, são opostos que se complementam. Assim, “a luta é a mãe, rainha e princípio de todas as coisas”.

Para Heráclito, a substância primária do universo era o fogo, possivelmente devido ao poder de transformar as coisas e pelo qual os outros elementos eram transformados. Entretanto, o foco principal de sua filosofia eram as transformações criadas pela tensão entre os opostos, enquanto para seus colegas iônicos as transformações observadas na natureza eram uma manifestação secundária da substância básica. O universo de Heráclito era eterno e em constante estado de fluxo.

É sua visão da natureza como uma entidade dinâmica, sempre em transformação, que terá um papel fundamental no desenvolvimento futuro do pensamento grego. Pode-se dizer que Heráclito serviu como ponte entre a tradição iônica para a filosofia de Parmênides. Os iônicos tomavam como ponto de partida de investigação o mundo ordenado e visível. Seu objetivo era entender esta ordem, determinar sua origem e as leis sob as quais o cosmo opera. A consideração primaria era de que o cosmo era a encarnação visível da razão, e por isso poderia ser entendida pelo raciocínio. Parmênides fez uma quebra radical com a tradição iônica no inicio do sec. V, mas partida foi um processo natural da filosofia de seu predecessor, Heráclito.

quarta-feira, junho 25, 2008

Heráclito ( I )

O último dos filósofos iônicos que iremos apontar aqui é Heráclito de Éfeso. As datas de seu nascimento e de sua morte não são conhecidas. Há referencias históricas que o põem por volta do ano 500 a.C. Embora Mileto tenha sido destruída pelos persas em 494 a.C., as idéias de Tales chegaram a Éfeso, localizada um pouco mais ao norte. Alguns fragmentos dos escritos de Heráclito foram mencionados por outros autores, como Platão e Aristóteles. Devido a seu estilo baseado em charadas de difícil compreensão, Heráclito era conhecido como “o Obscuro” e pode ser considerado o primeiro grande representante do pensamento dialético.

Embora exista pouco consenso entre os especialistas sobre a verdadeira natureza do pensamento dele, o aspecto mais importante de seus ensinamentos baseia-se na doutrina de que “tudo está em mudança e nada permanece parado”. Ele estendeu sua idéia desde a natureza até o comportamento humano, sempre enfatizando a importância da tensão entre opostos como a força motriz por trás do dinamismo do mundo à nossa volta. Concebia a realidade do mundo como algo dinâmico, em permanente transformação. Daí sua escola filosófica ser chamada de mobilista (movimento).

Sua filosofia, tal como podemos reconstruí-la, é, entretanto, bem mais complexa do que isso. De acordo com Heráclito, não existia uma realidade permanente e imutável, mas sim uma realidade em constante mudança, sendo a constância nada mais do que uma ilusão dos sentidos. Assim, a vida era um fluxo constante, impulsionado pela luta de forças contrarias: a ordem e a desordem, o bem e o mal, o belo e o feio, a construção e a destruição, a justiça e a injustiça, o racional e o irracional, a alegria e a tristeza, etc. É pela luta das forças opostas que o mundo se modifica e evolui. Indo além, pensava que todas as coisas carregavam com eles seus opostos e que o equilíbrio existente é alcançado através de uma necessária complementaridade entre os opostos, a qual ele chamou de logos. Esta noção de logos desempenha papel central em seu pensamento, como principio unificador do real e elemento básico da racionalidade do cosmo.

terça-feira, junho 24, 2008

Anaxímenes e o Ar

Provavelmente discípulo de Anaximandro e assim seguindo o espírito da Escola de Mileto, encontramos Anaxímenes. Além do fato de ter sido o mais jovem dos três, aparentemente nada se sabe de definitivo sobre as datas em que nasceu e morreu, sendo geralmente localizado no século V a.C. Suas idéias, em geral, foram mais duradouras do que seus antecessores. Como Anaximandro, ele sustenta que há uma matéria básica, mas a vê na substância específica do ar.

Segundo Anaxímenes, é o ar (pneuma) a substância fundamental da Natureza (arqué), uma vez que é incorpóreo e se encontra em toda parte. Contrariando seus antecessores, considerava que à medida que a densidade do ar mudava, compunha todas as coisas. Ou seja, quando rarefeito, o ar se tornava fogo; quanto mais denso se tornava, o ar se transformava em vento e em água, terra e pedra, sucessivamente. Resumidamente, as diferentes formas da matéria que encontramos à nossa volta surgem do ar através de processos de condensação e rarefação.

Assim, é o ar a substância de que é feita a alma, e assim como nos mantém vivos, mantém o mundo. Este ponto de vista foi adotado mais tarde pelos pitagóricos. De certa forma, isso se justifica. Ele é o último principal representante da Escola de Mileto e herdara toda a sua tradição. Além disso, foi a sua teoria de condensação e da rarefação que realmente completou a visão milésia do mundo. Podemos ver nisso uma tentativa de encontrar, em um elemento de caráter invisível e incorpóreo, uma explicação abstrata da realidade física. Além do mais, como bem aponta Russel, na filosofia, o importante não são tanto as respostas, mas sim as perguntas. Por isso, a Escola de Mileto merece a sua fama.

sexta-feira, junho 20, 2008

Anaximandro

Como dito anteriormente, diversos outros pensadores procuraram apresentar outros princípios explicativos da realidade. Após Tales, encontramos Anaximandro, também da chamada Escola de Mileto e aproximadamente catorze anos mais jovem (aproximadamente de 610 a.C.). Anaximandro foi além de seu antecessor Tales, e proporcionou uma explicação mais sofisticada, postulando que o universo era eterno e infinito em extensão e seu centro era ocupado pela terra. Geógrafo, matemático, astrônomo e político. Os relatos doxográficos nos dão conta de que escreveu um livro intitulado “Sobre a Natureza”; contudo, infelizmente, esse livro se perdeu.

Na verdade, Anaximandro criticou a teoria cosmológica de Tales. Para ele, o elemento de base de tudo é algo indeterminado, ainda que esteja sempre a assumir alguma forma, a qual pode ser constantemente alternada por outras. Assim, por que escolher a água? A substância primária da qual são feitas as coisas não pode ser uma das suas próprias formas especiais. Logo, deve ser algo diferente de todas elas, algo mais fundamental.

Anaximandro identifica a “arché” não mais em um elemento natural, como em a água de Tales, mas no ápeiron, termo grego que indica o ilimitado, o infinito, uma realidade originária e indiferenciada, sem limites e sem fronteiras, “de onde provêm todos os céus e os mundos neles contidos”. Aparentemente, Anaximandro considera que cada parte do universo é resultado de uma oposição entre forças antagônicas (a terra, a água, o ar, o fogo) - ou seja, todos os elementos naturais são efeitos (em uma situação de momentâneo equilíbrio) de pares opostos: o quente opõe-se ao frio, o seco opõe-se ao úmido. Mas também o cosmo, em seu conjunto, deve ser produto de um antagonismo fundamental; e como o universo se mostra defini­do, limitado, determinado em cada um dos seus componentes, deve-se pensar que ele se tenha ori­ginado e seja sustentado por um princípio diame­tralmente contrário: o apeíron. A matéria original é o que Aristóteles posteriormente irá chamar de “causa material” Anaximandro aqui intitula de o Ilimitado.

segunda-feira, junho 09, 2008

A Busca por um Princípio

A característica central da explicação da natureza pelos primeiros filósofos é caracterizada por um apelo à noção de causalidade, interpretada em termos puramente naturais. O estabelecimento de uma conexão causal entre determinados fenômenos naturais constitui assim a forma básica da explicação científica e é, em grande parte, por esse motivo que se pode considerar as primeiras tentativas de elaboração de teorias sobre o real como o início do pensamento científico.

É importante que o nexo causal se dê entre fenômenos naturais. Isto porque podemos considerar que o pensamento mítico também estabelece explicações causais. É por isso que o que distingue a explicação filosófico-científica da mítica é a referência apenas a causas naturais.

Entretanto, uma tentativa de se apresentar uma explicação causal gera um efeito regressivo. Ou seja, ao explicarmos sempre uma coisa por outra, há a possibilidade de se ir buscar uma causa anterior, mais básica, até o infinito. Para evitar um eterno processo até o inexplicável, surge a necessidade de se estabelecer uma causa primeira, um primeiro princípio, ou conjunto de princípios, que sirva de ponto para todo o processo racional.

Por este motivo, esses primeiros filósofos vão postular a existência de um elemento primordial que serviria de ponto de partida para todo o processo. Como vimos, o primeiro a formular essa noção é exatamente Tales de Mileto, que afirma ser a água o elemento primordial. Não sabemos por que tales teria escolhido a água; porém, o importante na contribuição de Tales não é tanto a escolha da água, mas a própria idéia de elemento primordial, que dá unidade à natureza.

Diferentes pensadores buscaram eventualmente diferentes princípios explicativos, assim, por exemplo, os sucessores de Tales na escola de Mileto, Anaxímenes e Anaximandro, que adotaram respectivamente o ar e o “aperion” (um princípio abstrato significando algo de ilimitado, indefinido, subjacente à própria natureza); já Heráclito dizia ser o fogo o princípio explicativo, Demócrito o átomo e assim sucessivamente. Empédocles, som usa doutrina dos quatro elementos como que sintetiza as diferentes posições, afirmando a existência de quatro elementos primordiais – terra, água, ar e fogo – tese retomada por Platão no “Timeu” e bastante difundida em toda a Antiguidade.

Veremos aos poucos estes pensadores.

sexta-feira, junho 06, 2008

A Água de Tales

É claro que devemos ter em mente que a água tomada por Tales de Mileto como primeiro princípio é muito diferente da água de experiência comum, que bebemos ou que vemos cair do céu como chuva ou correr livre em rios. Como aponta Marcondes (2008), esta água referida trata-se realmente de um princípio, tomado aqui como simbolizando o elemento líquido ou fluido no real como o mais básico, mais primordial; ou ainda a água como o elemento presente em todas as coisas em maior ou menor grau.

Talvez Tales tenha se inspirado nas qualidades únicas de mutação da água; é continuamente reciclada dos céus para a terra e oceanos, levando em consideração a sua mudança de líquida para vapor, representando, assim, a dinâmica intrínseca dos processos naturais. Mais ainda, Tales de Mileto pode ter considerado que, assim como nós e a maioria das formas de vida dependemos da água para existir, o próprio universo exibia a mesma dependência, já que também era considerado por Tales como um organismo vivo (Gleiser, 1997).

Essa visão orgânica do cosmo representa um esforço de unificação dos mecanismos responsáveis pelos processos naturais e nossa própria fisiologia. Quando disse que “todas as coisas estão cheias de deuses”, ou que o magnetismo se deve a existência de “almas” dentro de certos minerais, Tales não estava invocando deuses para explicar suas observações, mas adivinhando intuitivamente que muito dos fenômenos naturais são causados por tendências ou efeitos inerentes aos próprios objetos. De fato, a palavra “alma” deve ser compreendida aqui como uma espécie de principio vital, por intermédio do qual todas as coisas são animadas, e não no seu sentido religioso moderno.

Alem disso, ao mencionar deuses em todas as coisas, não devemos entender que Tales se refere a uma idéia de que há divindades que pensam, segundo a forma humana, imersas no mundo. O termo “deuses” se compõe muito mais com uma perspectiva de animação do real do que, propriamente de divindades como as vistas nos contos homéricos, por exemplo. O emprego de “deuses” parece trazer a informação de que estas forças são eternas – ingênitas e indestrutíveis – e imutáveis.

terça-feira, junho 03, 2008

A Escola Jônica


A tradição grega registra Tales de Mileto como um dos Sete Sábios. Segundo Heródoto, Tales previu um eclipse do sol. Este dado permitiu que os astrônomos avaliassem em que período isso ocorreu, e por isso, atualmente se considera que ele viveu por volta de 585 a.C. (ano do eclipse).

Tale de Mileto é considerado o primeiro filósofo e, embora conheçamos muito pouco sobre ele e não subsista nenhum fragmento seu, foi desde a Antiguidade visto como o iniciador da visão do mundo e do estilo de pensamento que passamos a entender como filosofia. Duas características são fundamentais nesse sentido; em primeiro lugar, seu modo de explicar a realidade natural a partir dela mesma, sem nenhum referência ao sobrenatural ou ao misterioso, formulando a doutrina da água como elemento primordial, princípio explicativo de todo o processo natural; e em segundo lugar, o caráter crítico de sua doutrina, admitindo e talvez mesmo estimulando que seus discípulos desenvolvessem outros pontos de vista e adotassem outros princípios explicativos.

Na verdade, Tales de Mileto é considerado como um dos fundadores da corrente de pensamento da Escola Jônica, que se caracteriza sobretudo pelo interesse pela physis, pelas teorias sobre a natureza. Suas obras se perderam na Antiguidade, e só as conhecemos por meios indiretos. Em alguns casos, é possível até que não tenha havido obra escrita, já que a tradição filosófica grega em seus primórdios valorizava mais a linguagem falada do que a escrita.

segunda-feira, junho 02, 2008

O Período Clássico e a Filosofia


Como já dito anteriormente, podemos afirmar que a origem de todo pensamento ocidental se encontra no pensamento antigo grego. Desde o surgimento da filosofia na Grécia e até mesmo antes, os homens não cessaram de se indagar sobre a singularidade e a origem do pensamento humano. Entretanto, é na Grécia que vemos uma busca por respostas que falem sobre a estrutura da Natureza e seu funcionamento e o estabelecimento de uma compreensão sobre os fenômenos naturais em termos racionais.

É durante o Período Clássico, nos primeiros anos do século VI a.C., com Tales de Mileto, que se forma um pensamento próprio do homem ocidental e marca o início do pensamento filosófico. Esse pensamento vai se caracterizar por uma busca de um princípio (arkhé) ordenador da natureza e sua expressão em uma linguagem racional. Na verdade, a noção predominante que irá se inaugurar com Tales de Mileto e percorrer toda a filosofia grega é a de logus, termo que tem a conotação, entre outras, de “palavra” e “medida”. De certa forma, o discurso filosófico e a investigação científica estão intimamente vinculados.

Durante todo o século VI a.C. e grande parte do século seguinte, há uma crescente produção, tanto pelos filósofos da Jônia quanto pelos da Magna Grécia, de teorias que substituem o mito na explicação dos fenômenos do Universo. O objeto da reflexão filosófica é diretamente a natureza (phýsis), numa busca por explicações acerca do mundo natural baseada essencialmente em causas naturais. A chave da explicação do mundo de nossa experiência estaria então, para eles, no próprio mundo, e não fora dele, em alguma realidade misteriosa e inacessível. O mundo se abre, assim, ao conhecimento, à possibilidade total de explicação à ciência.

Em outras palavras, a principal contribuição desses primeiros pensadores ao desenvolvimento do pensamento filosófico, e podemos dizer também cientifico, encontra-se em um conjunto de noções que tentam explicar a realidade e que constituirão em grande parte, como veremos, alguns dos conceitos básicos das teorias sobre a natureza que se desenvolverão a partir de então.

A primeira escola de filósofos científicos surgiu em Mileto. Esta cidade no litoral jônico era uma ativa encruzilhada de negócios e comercio. A sudeste ficavam Chipre, Fenícia e Egito; ao norte, os mares Egeu e Negro; a oeste, através do Egeu, a Grécia continental e a ilha de Creta. A leste, Mileto mantinha estreito contato com a Lídia e, através desta, com os impérios da Mesopotâmia. Com os lídios, os milésios aprenderam a prática de cunhar moedas de ouro parar servir de dinheiro. O porto de Mileto vivinha apinhado de veleiros de muitas nações e os seus armazéns estocavam mercadorias do mundo inteiro. Como conheciam o dinheiro como meio universal de armazenar valor e trocar mercadorias, não admira que os filósofos milésios se indagassem de que são feitas todas as coisas.

“Todas as coisas são feitas de água”, teria dito Tales de Mileto. E assim começam a filosofia e a ciência. A idéia mais importante de Tales é a sua afirmação de que o mundo é feito de água. Exploraremos este filósofo a seguir.